Acordei com uma súbita dor,
E ao sentar-me na cama deparei com
Toda minha alma desmanchada no chão...
Aproximei-me da chama reluzente
E percebi que havia queimado minhas coloridas asas!
Borboletas estúpidas!
Como sou estúpida ao ponto de me aproximar
De um perigo iminente!
Mas a chama era linda, quente, atraente!
Borboletas não deveriam ser tão burras!
Entre a salvaguarda da minha alma
E o desejo pelo belo,
Aproximei-me do perigo
E minhas asas arderam como no inferno!
Borboleta idiota de nome burlesco!
Burlesca é minha ação,
Deixar-se conduzir por algo tão perigoso,
Por algo tão ardiloso...
Como a detestável paixão!
Agora sofro com a ausência das minhas asas queimadas
Pela ausência da beleza ardente das chamas reluzentes.
Agora sofro, pois estou imobilizada, com a alma desmanchada!
Borboletas são tão estúpidas como minha alma…
E eu achava que elas sobreviveriam por mais tempo…
Ah, mas é esse risco de morte iminente da paixão
Que faz esse regaço com minha alma,
Que transforma meus sonhos em tormento!
Há que se aprender a sobreviver nesse mundo novo
Como o homem de lata,
Mas sem desejar ter dentro de si aquele músculo
Que desmanchou minha alma.
Borboletas idiotas!
Porque não morreram todas?
Porque só perderam as malditas asas?
- Para voltar a te aporrinhar,
Pelo simples fato de você não saber esperar!
Pelo simples motivo de lhe ver sorrir como uma criança
Quando a chama voltar a se acender e, como num passe de mágica,
Fazer renascer nossas malditas asas!
Maldição!
O que faço para acabar de matar essas infames borboletas
Que se agitam dentro de mim?!
Não agüento ter minha alma rechaçada
E meu coração novamente ao chão...
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"Tartini's Dream" by Louis-Léopold Boilly (1761-1845). |
Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,
Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, Aónia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.
Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;
Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glória maior, está contente
Luís Vaz de Camões