Quando a gente ta meio esquisito, amuado, sozinho, a gente acaba
se perdendo em velhos caminhos conhecidos, tropeçando em velhos vestígios e
relembrando coisas que, de tão antigas, já estão envoltas em brumas negras. A
memória é algo fantástico! É ativada de forma insuspeita, de forma involuntária
por uma música, por um cheiro, por um gosto... Refazer velhos caminhos
cotidianos trás de vez em quando, esse sentimento, essas lembranças. Caio
Fernando Abreu dizia algo semelhante, dizia que a dor não existia, apenas a
cicatriz, que latejava loucamente em dias de chuva. Os velhos caminhos não se
desmancham, eles continuam sólidos como as mais queridas lembranças. Há aqueles
que se negam a esquecê-las e as idolatram como o melhor período da vida. Já outros, buscam esquecê-las porque elas não lhe fazem bem. Eu, ao contrário, deixo-as
guardadinhas, minha memória nunca foi uma coisa assim, astuta, memória mesmo. Minha
memória é catatônica, é oca, é eternamente aprendiz das incertezas do caminho. Outro
dia, uma amiga minha me disse que quanto mais velho ficamos, mais duros nos tornamos. De
certa maneira sim, mas eu não consigo endurecer esse velho músculo pulsante, eu
não consigo esquecer as boas coisas que cada caminho me leva a conhecer, as
cicatrizes não latejam loucamente em dias de chuva, elas são apenas uma
lembrança envolta em brumas negras, cor de rosa, azuis, brancas... Sou um
paradoxo ambulante, eu sei. Cada caminho descaminhado me leva a algo novo,
surpreendentemente novo. Tenho problemas de memória, talvez desvio de atenção,
porque não guardo muito bem as coisas... talvez eu só guarde mesmo aquelas
palavrinhas (mal)ditas... Mas isso tem a ver com meu signo... Capricórnio não é
um ser mitológico que esquece os maus - tratos... Ele remói. Eu remoeria se
tivesse a memória mais forte... Porém, há algo em mim que destoa de signos, de
tempo e de memória... mesmo eu querendo remoer algo ruim, pra fazer a cicatriz
latejar doidamente em dias de sol, de chuva, de brumas, logo a lembrança é substituída
por coisas boas, legais, imaginação... Acho que minha imaginação é mais forte
que a memória, por isso eu vivo nas incertezas do cotidiano, mesmo tendo
aprendido mil vezes a mesma lição. Se me deparo novamente com algo semelhante,
caio na mesma armadilha, caio no mesmo encantamento, caio na mesma alegria.
Afinal, a vida é feita de incertezas, de memórias e de caminhos. Caminhos que
refazemos sempre, seja sozinho, acompanhado, triste ou feliz, se tornam novos
caminhos. Vá sozinho, vá acompanhado, mas vá. Caminhos incertos do cotidiano
acabam se tornando os caminhos certos da antimonotonia. Fica a dica.
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"Caminho conduzindopara High Grass" c 1875, Musée d'Orsay, Paris. |