
Discurso de formatura
O encontro com o nosso destino as vezes se dá lá na tenra infância, quando ainda crianças nos deslumbrávamos com as aventuras do arqueólogo Indiana Jones ou com as aventuras de bang bangs de far western que fazia-nos pular da poltrona, ou ainda quando em frente a TV, assistíamos sem entender muito bem o porque de jovens nas ruas com caras pintadas. Mas mesmo sem entender nada do que estava acontecendo, nos sentíamos atraídos por esse mundo tão contínuo e em perpétua mudança.
Fazer história foi uma escolha, que muitos dos nossos amigos, conhecidos, parentes, professores e até mesmo pais não compreenderam muito bem, afinal, no término iríamos nos transformar em professores. E daí sermos professores? Só porque, o salário não é alto, só porque temos que enfrentar uns diabinhos de alunos e também ensinar coisas fascinantes e fazer com que elas se tornem fascinantes é tarefa árdua e nem sempre reconhecida. Mas saibam que não podemos deixar de dizer, prazerosa.
A história tem um enigma que se esconde em cada rosto, em cada linda, em cada objeto. Porém, não se enganem amigos, ao pensar que o historiador volta seus olhos apenas para os vestígios, como artefatos, paisagens ou máquinas. O objeto do historiador é o homem, pois a história é o homem, como diz Lucian Febvre, e as ações são realizadas por eles. Somos caçadores de carne humana, como afirma Marc Bloch.
Nossa jornada pelos meandros da história começou bem antes, muitas vezes ainda na infância, porem o encontro com a nova vida de graduando se deu em 2006, quando muitos de nós tomamos a difícil decisão de partir dos nossos lares, de deixar nossa terra para correr atrás de um sonho, que hoje finalmente se concretiza. Buscamos construir nossa história no bojo da História e podemos dizer que São João Del Rei nunca mais será a mesma sem nós, historiadores de alma e coração e gulosos por opção.
Não podemos deixar de relembrar o primeiro dia de Aula, um encontro com o curso, com os futuros amigos e colegas, veteranos e com o trote. Acho que todos nós passamos a amar um trote engraçado, amigo e consciente, seja ganhar, ou dar. E nos ganhamos um trote inesquecível de se ver, de se sentir, um trote que passamos para nossos calouros, como uma tradição inventada, mas tão profunda, que não conseguimos mais viver sem. Foi graças ao trote, que nos conhecemos, trocamos telefones, trocamos a sensação de insegurança, medo e também compartilhamos o nojo daquele chiclete esquisito verde... enfim, era o nosso rito de entrada.
Durante quatro anos, compartilhamos vocabulários e sotaques diversos. Houveram choques culturais, brigas ideológicas, batatas no labareda, coca-cola no trailer, sorvete a noite em julho, fugas espetaculares de lugares de estágio e trabalho. Trabalhos compartilhados, viagens e programas furados, algumas reprovações, choro, perdas, ganhos, amigos, inimigos, colegas, agonia e êxtase.
Hoje, nosso rito de saída é permeado pela lembrança, pela memória. Espero que ninguém tenha guardado memórias traumáticas do curso, apesar de existir n possibilidades para tal. Como nossa primeira prova de graduação, em Leitura e Produção de texto. Como não se lembrar daquela prova bem ao estilo ensino médio condensada a questões tão acadêmicas! Quanta saudade do ensino médio ainda sentiríamos! E quando fomos apresentar nosso primeiro seminário de graduação?! Não podemos esquecer o medo de errar nas aulas de introdução a sociologia, com a vergonha de falar em público. Afinal, nós éramos ingênuos, crus e calouros!
Descortinou-se para nós experiências da Antiguidade, a simbologia da Idade média, as navegações da Idade Moderna, as Revoluções da contemporaneidade... Como esquecer aquela aula de História Medieval em que o Moisés utilizou de recursos didáticos visuais! Os nossos gritos ecoaram por todo o campus Dom Bosco, principalmente quando olhamos para Carlos Magno e afirmamos: “COMO ASSIM! A TERRA NÃO ERA REDONDA NA IDADE MÉDIA”! A terra nunca deixou de ser redonda caros amigos, mas para os homens daquele tempo, ela era achatada... Descobertas assim nós empolgavam e nos levavam a pensar, a começar a cultivar cada vez mais profundamente uma visão crítica da história, dos homens. Fomos aprendendo e amadurecendo. Já não gritávamos quando algo assim era nos dado pelos nossos mestres. Mesmo que ainda, nos corredores, as provas de Tempo, Memória e Patrimônio, América e Brasil II, III E IV nos tirasse o sono e nos desse uma vontade profunda de gritar SOCORRO, não desistimos, mesmo depois que elas aconteciam, o sentimento de inaptidão só piorava. Como uma amiga me disse, ao se deparar com o Lula na prova sobre Getúlio, só nos restava pular da ponte... Felizmente não pulamos, pois temos a capacidade de nos surpreender. Não sabemos o poder do nosso conhecimento até ele ser avaliado. Bem, Sabemos... Porem a duvida faz parte do aprendizado e o mestre, precisa existir para nos guiar pelos melhores caminhos.
Foram quatro anos de risos, de noites sem dormir, de festas, de choros, de médias perdidas, de provas inacreditavelmente fechadas e zeradas, de descobertas documentais inimagináveis, de encontros e desencontros. Hoje quando nos perguntarem o porque de nossa escolha, não diga simplesmente que foi porque tinha curiosidade em um tema, ou que um professor ou alguém lhe serviu de inspiração, ou ainda o fato de presenciar acontecimentos históricos ou por respirar a história. Diga que a sensação de ser um detetive do passado é a melhor do mundo. Diga que a sensação de compartilhar conhecimento com seus alunos é a mais prazerosa possível. Diga que ler em letras garranchadas do século XVIII aquele nome que procura é um êxtase sem tamanho. Diga que admirar o homem em todas as suas instâncias é tocar um mundo no qual todos nós viemos e estamos inseridos.
Diga que vivemos e que só vivemos bem quando sabemos de onde viemos. Quando mitos são quebrados e a verdade ressurge suja de pó e infestada de traça, podemos dizer enfim, que somos como poetas que escrevem a verdade nua e crua, sem a beleza dos versos. Diga que somos a poética da beleza dos fatos e dos atos e que nossa profissão é a busca pela verdade histórica, mesmo que essa verdade nunca seja completa. Diga que somos quase profetas, diga que Deus não pode mudar o passado, mas que nós Historiadores podemos. Eis o poder de nossa profissão. Eis a responsabilidade que carregamos, caros amigos. Como nosso Paraninfo nos avisou em uma de suas aulas de Teoria da História, nós temos a profissão mais influente do mundo. Somos responsáveis pela vida e, muitas vezes, pela morte. Nós somos responsáveis pelo pensamento crítico. Somos responsáveis pela visão de mundo. Somos teóricos comprometidos com a verdade, e essa verdade precisa ser levada a todos, e nós, como professores que também somos, somos aqueles que influenciam o mundo e temos a formação que muitos gostariam de ter, mas que não tiveram a nossa coragem de buscar a verdade por baixo de camadas de poeira e tinta.
Eis que somos como aquele Indiana Jones de nossa infância. Escavamos a verdade e como ele, temos obrigação de passá-la para nossos alunos, para o mundo. Somos também como os heróis de far westen, porque temos que desbravar terrenos inóspitos e enfrentar desafios para encontrar o nosso tesouro, que é o homem em toda a sua beleza e poesia, porém não apenas em ações do passado. Somos como aqueles jovens de cara pintada, pois tentamos entender o mundo atual, olhando com atenção a História que se escreve em cada segundo. Escolhemos fazer história simplesmente pelo fato de ainda acreditarmos na beleza e poesia da humanidade! O homem não pode ser o lobo do homem, e enquanto pulsar essa esperança em nós, o presente será uma dádiva e o passado não mais um exemplo, mas uma lembrança de como agimos para que existisse um futuro melhor.
Hoje podemos dizer que valeu a pena todas as noites acordados, seja estudando ou farreando. Pois hoje somos historiadores e, sobretudo, arautos da poesia da história, somos professores sim! E com o orgulho de termos a melhor profissão do mundo e a mais legal também.
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