Andei distraída por uns dias,
Contei urubus em outros,
Enganei-me com alguns passos trocados,
Mas enfim, encontrei o caminho de volta.
A distração até que traz alegria,
Os urubus até que enfeitam o céu,
Mas os passos trocados...
Traz pra mim uma bica imensa de água salgada!
Acho que as bicas também secam em tempo de chateação.
A chateação maior é ter que refazer todo um caminho de volta sozinho...
Mas cá pra nós, esse caminho até que é bonito!
Tem várias coisas belas no meio...
E no final, apenas a lembrança de urubus voando
De asas abertas, sentindo o vento cortante...
E no final também há borboletas,
Mas não mais saltitantes, apenas borboletas...
A distração é boa e a distração engana,
Eis que aquela alma que andava com poder sobre a minha,
Desfez em passe de mágica todo o encanto,
E agora, meus olhos já enxergam o que antes não via.
Distraída sempre ando,
É um perigo pra minha alma tão pequena,
Mas contar urubus por esses dias,
Já virou uma linda e finita lenda...
"Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser."
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser."
Fernando Pessoa
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