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Albrecht Dürer- Melancolia |
Eu não tinha esses olhos de hoje, olhos
tão úmidos e tão tristes. Na verdade eu não tinha sentimentos tão terríveis dentro
de mim como agora. Meu sorriso era verdadeiro, minhas palavras não eram medidas
e eu não precisava ficar me segurando. Segurando sentimentos, ações, palavras. Esse
rosto marcado não é o meu rosto e esse sorriso... Esse sorriso falso de
meia-boca não é o meu sorriso e nem essas palavras poderiam ser minhas. Sou tão
triste que não me reconheço no espelho. A minha docilidade está decadente,
estou muito chata, reclamando muito, nem mesmo consigo me encarar no espelho
sem que uma simples lágrima caia de meus olhinhos tão desiludidos. Acho que a
palavra é essa mesma: desilusão. Não que eu tenha criado muita expectativa, não
que eu espere demais das pessoas, mas sim eu espero apenas o mínimo dos outros. O mínimo de atenção,
o mínimo de civilidade, o mínimo de compaixão, o mínimo de carinho. Talvez eu
espere a retribuição por alguma coisa, ou talvez eu já esteja tão perdida que
nem isso eu deseje mais. Parece que estou em uma queda de braços comigo mesma,
pra ver até onde eu posso ir desse jeito, nessa luta. Mas essa luta vem me transformando
no pior que eu poderia ser. Ao invés de me fazer transbordar em rios de
felicidade, estou me afogando cada dia mais em rios de angústia, de insatisfação.
Eu não tinha esses olhos tão marcados, essa face tão molhada, essa dor que me
pega todos os dias quando vou me deitar pensando em como eu era feliz e não sabia.
E como agora eu estou tão longe de alcançar algo que eu sempre tive do meu
lado. Sempre tive, desde sempre, hoje não tenho mais. Hoje já não consigo ver
qualquer possibilidade de futuro bom. Antes eu enxergava, antes eu sabia que
existia possibilidades, hoje já não há e não é por minha culpa. Porque eu fiz
tudo o que podia, fiz tudo o que estava ao meu alcance e tenho a consciência tranqüila
quanto a isso. Mas o mundo não é bom para todos... Se nem as pessoas são iguais,
porque os sentimentos deveriam ser, não é verdade? Mas o que me causa maior dor
nesses dias de chumbo, é saber que tem gente que existe para tampar buracos,
para consertar pequenos machucados. E existem tantas dessas pessoas no mundo,
que trancam a própria dor para cuidar da dor do outro... E existem pessoas que
sabem bem que são apenas substitutas, que estão ali apenas para curar e ensinar
o outro. O problema é que não há ninguém para cuidar delas. E elas sofrem, elas
vão decaindo, vão se transformando naquilo que mais odeiam. Até que finalmente
acordam e tomam a difícil decisão de renunciar ao exercício de altruísmo e se vão.
E ao invés de esperarem por uma pessoa substituta, curam a si próprias com
aqueles restos de sentimentos bons que ainda permanecem. Como se esses
sentimentos fossem luzinhas pequeninas em uma noite escura, e que lentamente ao
se juntarem se transformam em um grande feixe de luz e trás de volta tudo o que
estava escondido, eliminando de vez aquilo terrível que tinham se transformado.
Sinto que está chegando à hora de partir, de deixar para trás novamente uma
alma renovada, mas não minha alma. Vocês podem dizer que vou perder, mas o
velho ditado não mente quando diz que não se perde o que nunca se teve. Fácil assim.
Eu prefiro perder o que nunca tive a perder aquilo que move minha alma, meus
sonhos, minha vida. O mundo anda cada dia mais complicado e não dá mais pra
fazer tudo por uma só pessoa... Até dá, mas isso já é outra história...
"Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa.
Acredito que essa moça, no fundo gosta dessas coisas. De se apaixonar, de se jogar num rio onde ela não sabe se consegue nadar. Ela não desiste e leva bóias. E se ela se afogar, se recupera.
Estranho e que ela já apanhou demais da vida. Essa moça tem relacionamentos estranhos, acho que ela está condicionada a ser uma pessoa substituta. E quem não é?
A gente sempre acha que é especial na vida de alguém, mas o que te garante que você não está somente servindo pra tapar buracos, servindo de curativo pras feridas antigas?
A moça…ela muito amou, ama, amará, e muito se machuca também. Porque amar também é isso, não? Dar o seu melhor pra curar outra pessoa de todos os golpes, até que ela fique bem e te deixe pra trás, fraco e sangrando. Daí você espera por alguém que venha te curar.
Às vezes esse alguém aparece, outras vezes, não. E pra ela? Por quem ela espera?
E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará.
A moça – que não era Capitu, mas também têm olhos de ressaca – levanta e segue em frente.
Não por ser forte, e sim pelo contrário… Por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo."
Acredito que essa moça, no fundo gosta dessas coisas. De se apaixonar, de se jogar num rio onde ela não sabe se consegue nadar. Ela não desiste e leva bóias. E se ela se afogar, se recupera.
Estranho e que ela já apanhou demais da vida. Essa moça tem relacionamentos estranhos, acho que ela está condicionada a ser uma pessoa substituta. E quem não é?
A gente sempre acha que é especial na vida de alguém, mas o que te garante que você não está somente servindo pra tapar buracos, servindo de curativo pras feridas antigas?
A moça…ela muito amou, ama, amará, e muito se machuca também. Porque amar também é isso, não? Dar o seu melhor pra curar outra pessoa de todos os golpes, até que ela fique bem e te deixe pra trás, fraco e sangrando. Daí você espera por alguém que venha te curar.
Às vezes esse alguém aparece, outras vezes, não. E pra ela? Por quem ela espera?
E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará.
A moça – que não era Capitu, mas também têm olhos de ressaca – levanta e segue em frente.
Não por ser forte, e sim pelo contrário… Por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo."
Caio Fernando Abreu - Morangos Mofados
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