Sou
historiadora e tenho minha formação voltada para o campo da Historia da Arte. Já trabalhei com
restauração de documentos e sei muito bem os problemas e os riscos de se tocar
em objetos históricos, obras de arte, documentos...
Eu
sei, não deveria dizer isso, mas eu tento tocar. Eu tenho uma necessidade
imensa de sentir com meus dedinhos aquela coisa, tentar pegar com meus dedos as
emoções que transpiraram da mão do artista ou da pessoa que escrevia
determinado documento. Contudo, eu me mantenho firme racionalmente e sigo as
regras de "não tocar", afinal, se todos nós tocássemos nas coisas, elas já teriam
se deteriorado há muito.
Contudo, há
lugares que posso exercer essa vontade, esse desejo, esse fetiche em paz. Em paz
com meu eu racional e em paz com meu eu vândalo poético. Sempre, onde eu
chego, quem chega primeiro é a mão. Ela corre pra tocar a pedra, o aço, a
folha. Os olhos correm para cima, mas as mãos seguem o ritmo lento das superfícies
irregulares, tentando absolver lembranças antigas, sentimentos antigos. Quantas
pessoas já passaram por esses lugares, caminhos, casas, igrejas, castelos e
tocaram o mesmo lugar que eu toco? Quando penso nisso, nesse momento do toque,
eu me sinto conectada há milhões de sentimentos. Já detectei o medo, já
detectei o gozo, já detectei a tristeza.
Ser
historiadora aumentou a minha sensibilidade, que era um pouco afetada para
picos de clichês sentimentais. Quem chora ao sentar numa varanda e tocar o
parapeito e sentir o medo daquelas pessoas que ali estavam, quando avistaram o
exercito inimigo? Quem ri ao tocar pedras pontiagudas e desajeitadas de muros construídos
pelo suor dos escravos? Lugares que despertariam sentimentos inversos, quando
tocados, trazem sua história, ou, o que imaginamos para elas. Da varanda e do
muro, o medo e o amor se traduzem de forma desigual, as vezes equivocada. Porque
sorrir ao passar a mão por cima de tanto sofrimento? Porque chorar ao tocar um
lugar onde se tem a vista das mais belas paisagens? Não sei. São os sentimentos
que me despertam quando eu tento chegar mais perto das coisas que nos tocam por
si mesmas. O meu tato intruso tenta sentir mais daquilo que ninguém vê, daquilo
que traduz sentimentos diversos.
Das
coisas que se tocam, eu gosto dos muros, das paredes, das portas, das igrejas,
dos túmulos, das escadas, das mesas... É uma conversa silenciosa entre a minha
alma e as almas que ali passaram. É como se minha alma precisasse tocar aquilo
para se acalmar. Meu coração disparou tanto quando toquei pela primeira vez um
forro de igreja. Era como se naquele momento eu estivesse ali, conectada com o
artista que realizou a obra. Era como se eu sentisse todos os sentimentos dele:
o medo de cair, o medo de não fazer um bom trabalho, o prazer de pintar, as
tintas nos dedos, os desejos de aumentar a fama de seu trabalho... cinco
segundos de uma conversa inteira.
Das
coisas que tocam por si mesmas, eu só posso dizer que tenho as obras de arte em
grande conta! As pinturas, esculturas, papeis, música... Essas coisas não são
para serem tocadas por nós, pois tocam mais fundo. Sem o tato, utilizo dos
outros sentidos e não sou eu mais que as toco para senti-las, ao contrário,
são elas que me tocam e conversam comigo. São elas que querem entender meus
sentimentos, minha angustia, minha euforia, minhas sentimentalidades mesquinhas.
E quando elas me tocam, tudo o que eu sinto, por instantes, fica estático e eu
sorrio ou eu choro. Não se passa nada nesse hiato de tempo que dura milésimos de
segundo. O choro cai ou a gargalhada salta inesperadamente para quem ta comigo:
São as coisas que tocam por si mesmas enchendo minha alma de vida, e eu não controlo.
Eu nunca controlei.
Acho
que é por isso que gosto tanto de viajar e de conhecer lugares diferentes, para
sentir, para dialogar, mesmo que tudo isso seja apenas minha imaginação
histórica misturada com a poesia da vida...
Convento de Cristo Não tô encochando o aqueduto não, viu gente! |
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Inhotim. Guil me xingando, claro. |
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