"Deus prosseguiu com a criação do mundo, e levou consigo seu cachorro"
História da Criação segundo o povo Kato
Ando lendo um livro muito interessante: "O cão do filósofo" de Raimond Gaita, filósofo alemão que leciona filosofia moral. Nunca entendi nada de filosofia e nem sei nada, mas esse livro vem demonstrando questões interessantes que a gente não pára pra pensar.
Mas hoje, depois de passado o choque pela perda do meu galinho (sim, eu tinha um galinho de estimação, Luxemburgo), voltei ao livro em busca de uma passagem que muito me chamou a atenção e me deixou pensando em como é verdadeira essa atitude ambígua que temos:
"A filha de um fazendeiro sente enorme ternura por seu carneirinho de estimação e, ao mesmo tempo, come outros carneirinhos sem hesitar; mas isso é somente uma manifestação dramática da contradição de que amamos nossos animais de estimação ao mesmo tempo que comemos animadamente outros animais iguais a eles. Enterramos nossos bichinhos, mas passamos sobre animais mortos na estrada sem o menor estremecimento." (GAITA, Raimond. O cão do filósofo, p.42).
Pura verdade! Enquanto enterrava meu galinho lembrava das palavras de minha mãe: "Não precisa enterrar o galo, pode jogar ele fora, não tem problema."
Não sei se ela falou aquilo pensando na fragilidade minha, de não conseguir cavar um buraco muito fundo para enterrar um corpo de um animal, para que ele não fosse desenterrado por dois cachorros vadios e lindos, como são Marley e Xena, ou se ela falou aquilo porque realmente pensava que não tinha necessidade de enterrar um galo ou uma galinha.
Digo que mesmo morrendo pra conseguir fazer um buraco fundo de sete palmos, eu cavei. Era o mínimo que eu podia fazer pelo Luxemburgo, meu lindo e elegante galinho de peninha do pé. Todo mundo acha graça porque dou nome aos mais estranhos animais. Estranhos porque eles não são considerados inteligentes o bastante para desfrutar da companhia dos homens.
Quanta ignorância vejo nesse discurso... A gente transfere sentimentos para os bichinhos. Eu posso falar por mim... eu transfiro afeição muito fácil para qualquer animalzinho. Só não transfiro quando o medo é maior que a coragem. É assim com animais mais selvagens e silvestres... Porque meu medo de aproximação é maior, mas ainda admiro... sei que eles sentem alguma coisa... Todos sentem alguma coisa...
O Luxemburgo estava sentindo algumas coisas durante a semana. Ele demonstrou isso pra mim. Mas não demonstrou que iria morrer. Todos os dias comia o que eu dava. Mas não saia do seu cantinho. Deixei quieto. Não sei lidar bem com "dinossauros". Recordo do Chocolate, meu coelhinho selvagem. Outro também que não demonstrou que ia me deixar: Um dia de manhã, quando fui dar um tchauzinho pra ir pra escola, lá estava ele, estirado na gaiola.
Sempre assim, eles vão embora sem se despedir de mim...
Gostava muito do Luxemburgo, apesar do nome ser uma chacota para meus amigos atleticanos, eu gostava dele. Tinha uma afeição por ele, muito maior do que sinto pelas outras galinhas e galo do quintal. Questão quase de afinidade. Tenho medo de ter mais afinidade com animais do que gente. Animais são mais generosos, na maioria das vezes. Gostava muito do Luxemburgo. E depois que o enterrei lembrei da Luna. Da minha cachorra. Essa sim, era um cão de historiador, cheia de manias, rs. E pensei em como eu tinha mais afinidade com ela do que com os outros. Me senti mal com isso.
Senti mal porque tenho ainda no quintal vários animais de estimação, quatro cães e algumas galinhas... mas aquela afeição pela Luna era diferente das que eu sinto hoje. Acho que sinto muita falta da Luna ainda. Aí me perguntam: "Você sente falta de um cachorro? Deixa pra sentir falta de alguém quando for preciso".
Esse tipo de pergunta me irrita. Você convive com o cão longos 11 anos e não quer sentir saudade quando ele morrer? Eu a vi nascer, eu cuidei dela quando a mãe a largou, eu curei ela diversas vezes quando se machucou, ela compartilhava minhas leituras, meus filmes, meus dias... Que raio de pessoa é você? Não sei. Essas coisas a gente não explica. Filosofia não explica. História não explica. Vida explica. Vivência.
Dizem que o cão é um pouco do dono e vice-versa. A Luna era minha imagem e semelhança em cão. Sinto saudades dela, porque ela me divertia muito, demonstrando meu lado mais leve. Era com ela que eu brincava e falava. Hoje eu tento brincar e falar com os outros... mas é tão complicado... Mas eu gosto de todos, sentirei saudades de todos, da mesma forma que hoje senti falta do Luxemburgo quando fui vê-los. Mas não é a mesma saudade...
A falta que aquele cão me faz ainda vai ficar guardada por muito tempo... O Luxemburgo foi-se também... meu presentinho foi embora... Agora no quintal só me resta os cães que não me dão o mesmo tipo de afeição que eu antes tinha e as galinhas que me bicam pensando que sou comida...
Mas essa saudade vai passar. Vai ficar só coisas boas do tempo em que compartilhei com ela, como ficaram de todos os meus animais queridos... Só entende o que eu sinto quem tem um amigo que não é humano...
Nenhum comentário:
Postar um comentário