Breve histórico...

Minha foto
"O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove." Fernando Sabino

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Meu Cérbero

Já sei,
não posso mais fazer nada...
O meu coração é aquele que rege meus passos tão espaçados
e nesse jardim eu já me cansei de perder.
Mas não posso mais fazer nada...
Porque são aqueles oblíquos olhos que me guiam,
e aquele rosto em preto e branco 
é como uma placa que indica a direção para o paraíso.

Ah... quantas voltas ainda tenho que dar,
quantos dragões poderão me ajudar
a chegar ao meu real lugar?
Já não são tempos de fantasia,
o real é como o grande apocalipse de João,
e eu não consigo deixar para trás pequenas coisas...
E corro o risco de ser lançada as chamas pecaminosas
dos homens reais.

Não posso fazer mais nada,
meu coração está completamente envolvido
pelo moço tímido de olhos oblíquos,
aquele mesmo moço que tem poder sobre minha alma,
e que consegue atormentar meus pensamentos...
Ah, que tormento delicioso... 
Os sonhos são tão reais e eu acordo sempre extasiada...
Mas os sonhos correm o risco da morte dos deuses...

O tempo da fantasia acabou,
agora o real ameaça,
nem os dragões mais existem!
Todos viraram fumaça! E eu?
Eu insisto em ver tudo com os mesmos olhos,
olhos de criança com uma pitada de malícia adulta.
Não há mais o que fazer,
o apocalipse já tomou minha visão...

Idílica visão do amor,
paradoxal versão da paixão,
entre corpos entrelaçados e almas perdidas,
não consigo parar para raciocinar meu caminho.
Aqueles olhos oblíquos me dominam
e eu não consigo desvencilhar de seu poder.
E nem desejo, por enquanto.

Enquanto isso vou vivendo em um caminho perdido
no jardim da minha casa,
onde a face em preto e branco me tem inteira,
e como um passe de mágica,
domina meus sentidos.
Não consigo esquecer certas mágoas
e sofro.
Não consigo dominar meus desejos
e isso causa dores.

Sou como Cérbero,
um cão demoníaco, maldoso, poderoso,
que demonstra amabilidade a qualquer ser
que consiga dominá-lo com amor.
Sou como Cérbero que espera
pelo verdadeiro domador de demônios,
que espera pelo dom do domador de almas.
Espero que ele não desista de se aproximar de mim...

Essa carapuça que visto é pesada demais,
e preciso ter confiança para arrancá-la.
E já não há mais nada que eu possa fazer,
apenas torcer para que o domador não desista de mim,
como eu não desisti.
Mas ninguém é igual a ninguém e eu sei
que o Cérbero em mim não é um animal fácil...
Nem mil dragões me dominam,
apenas aqueles olhos oblíquos conseguem
trazer um pouco de paz....

Psiqué alimentando Cérbero com pão.




quarta-feira, 13 de junho de 2012

Outra carta

Albrecht Dürer- Melancolia


Eu não tinha esses olhos de hoje, olhos tão úmidos e tão tristes. Na verdade eu não tinha sentimentos tão terríveis dentro de mim como agora. Meu sorriso era verdadeiro, minhas palavras não eram medidas e eu não precisava ficar me segurando. Segurando sentimentos, ações, palavras. Esse rosto marcado não é o meu rosto e esse sorriso... Esse sorriso falso de meia-boca não é o meu sorriso e nem essas palavras poderiam ser minhas. Sou tão triste que não me reconheço no espelho. A minha docilidade está decadente, estou muito chata, reclamando muito, nem mesmo consigo me encarar no espelho sem que uma simples lágrima caia de meus olhinhos tão desiludidos. Acho que a palavra é essa mesma: desilusão. Não que eu tenha criado muita expectativa, não que eu espere demais das pessoas, mas sim eu espero apenas o mínimo dos outros. O mínimo de atenção, o mínimo de civilidade, o mínimo de compaixão, o mínimo de carinho. Talvez eu espere a retribuição por alguma coisa, ou talvez eu já esteja tão perdida que nem isso eu deseje mais. Parece que estou em uma queda de braços comigo mesma, pra ver até onde eu posso ir desse jeito, nessa luta. Mas essa luta vem me transformando no pior que eu poderia ser. Ao invés de me fazer transbordar em rios de felicidade, estou me afogando cada dia mais em rios de angústia, de insatisfação. Eu não tinha esses olhos tão marcados, essa face tão molhada, essa dor que me pega todos os dias quando vou me deitar pensando em como eu era feliz e não sabia. E como agora eu estou tão longe de alcançar algo que eu sempre tive do meu lado. Sempre tive, desde sempre, hoje não tenho mais. Hoje já não consigo ver qualquer possibilidade de futuro bom. Antes eu enxergava, antes eu sabia que existia possibilidades, hoje já não há e não é por minha culpa. Porque eu fiz tudo o que podia, fiz tudo o que estava ao meu alcance e tenho a consciência tranqüila quanto a isso. Mas o mundo não é bom para todos... Se nem as pessoas são iguais, porque os sentimentos deveriam ser, não é verdade? Mas o que me causa maior dor nesses dias de chumbo, é saber que tem gente que existe para tampar buracos, para consertar pequenos machucados. E existem tantas dessas pessoas no mundo, que trancam a própria dor para cuidar da dor do outro... E existem pessoas que sabem bem que são apenas substitutas, que estão ali apenas para curar e ensinar o outro. O problema é que não há ninguém para cuidar delas. E elas sofrem, elas vão decaindo, vão se transformando naquilo que mais odeiam. Até que finalmente acordam e tomam a difícil decisão de renunciar ao exercício de altruísmo e se vão. E ao invés de esperarem por uma pessoa substituta, curam a si próprias com aqueles restos de sentimentos bons que ainda permanecem. Como se esses sentimentos fossem luzinhas pequeninas em uma noite escura, e que lentamente ao se juntarem se transformam em um grande feixe de luz e trás de volta tudo o que estava escondido, eliminando de vez aquilo terrível que tinham se transformado. Sinto que está chegando à hora de partir, de deixar para trás novamente uma alma renovada, mas não minha alma. Vocês podem dizer que vou perder, mas o velho ditado não mente quando diz que não se perde o que nunca se teve. Fácil assim. Eu prefiro perder o que nunca tive a perder aquilo que move minha alma, meus sonhos, minha vida. O mundo anda cada dia mais complicado e não dá mais pra fazer tudo por uma só pessoa... Até dá, mas isso já é outra história...


"Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa.
Acredito que essa moça, no fundo gosta dessas coisas. De se apaixonar, de se jogar num rio onde ela não sabe se consegue nadar. Ela não desiste e leva bóias. E se ela se afogar, se recupera.
Estranho e que ela já apanhou demais da vida. Essa moça tem relacionamentos estranhos, acho que ela está condicionada a ser uma pessoa substituta. E quem não é?
A gente sempre acha que é especial na vida de alguém, mas o que te garante que você não está somente servindo pra tapar buracos, servindo de curativo pras feridas antigas?
A moça…ela muito amou, ama, amará, e muito se machuca também. Porque amar também é isso, não? Dar o seu melhor pra curar outra pessoa de todos os golpes, até que ela fique bem e te deixe pra trás, fraco e sangrando. Daí você espera por alguém que venha te curar.
Às vezes esse alguém aparece, outras vezes, não. E pra ela? Por quem ela espera?
E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. 
A moça – que não era Capitu, mas também têm olhos de ressaca – levanta e segue em frente. 
Não por ser forte, e sim pelo contrário… Por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo."

Caio Fernando Abreu - Morangos Mofados




Seguidores