Breve histórico...

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"O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove." Fernando Sabino

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O preconceito nosso de cada dia.

Vou ser sincera, destruíram minha auto-estima ainda quando era adolescente. Destruíram da pior maneira e, até hoje, sinto as reverberações do desmoronamento daquilo que eu gostava de ser.
Mas vou ser mais sincera ainda: sobrevivi e sou muito feliz como eu sou. Do desmoronamento, eu construí um reino lindo, colorido e com unicórnios, rá!
Brincadeiras a parte, acabei de ler um texto de uma adolescente negra que se intitula "Não nasci pra ser bonita: a autoestima da mulher negra". A jovem de 16 anos soube lidar melhor do que eu com 16, com as coisas desse mundo preconceituoso em que vivemos.
Diferente da jovem Thaís Vieira, não foi um médico que quis me ensinar como eu deveria me vestir, ou usar o meu cabelo. No meu caso foi pior, bem pior, porque o tal do Bullying vinha daqueles que eu achava que eram meus amigos, que gostavam de mim.
No meu caso, o que incomodava era o meu cabelo. O cabelo que não se enquadrava no estilo das minhas coleguinhas de escola, que eram todos lisos. Sim, lisos, nada daquilo que hoje é chamado “ondulado Gisele”. Esse ondulado era abominável para minhas coleguinhas, que viam a chapinha como a melhor amiga.
Só que eu gostava do meu cabelo. Ele era rebelde, era chato, mas era meu e eu gostava dele. Gostava muito de colocar borboletinhas, florzinhas, laços no cabelo. Só que as pessoas me fulminavam, chegava, até mesmo, a me humilhar com comentários desestimulantes e racistas, coisa que na época, eu não percebia, julgava que eu era o problema.
O problema não era eu, era o que eu representava. Aquilo diferente, aquilo que batia na cara deles como algo fora do padrão. Hoje consigo perceber isso, eu era uma afronta. E meio que inconscientemente eu me mantive no meu padrão. Não alisei o meu cabelo como as minhas amigas queriam, não parei de usar meus lacinhos coloridos. E se pensam que isso são coisa de criança e adolescente, até hoje sofro com perguntas do tipo “porque você não escova o seu cabelo? Ele deve ficar tão mais bonito...” ou “porque vc usa essas coisas no cabelo?”
Aliso quando eu quero e não porque querem. Não gosto de padrões porque sofri com esse enquadramento todos os anos da minha adolescência. E esses momentos de agonia ainda me assombram. Já pensei em procurar psicanalista, mas depois penso que esse problema é do outro, não meu. Eu não sou a racista ou machista ou homofóbica ou o Diabo dessa bagaça.
Repassando memórias, acabo de me lembrar de mais uma cena, e lembro exatamente de como me senti. A memória é algo incrível, com um estimulo conseguimos nos lembrar de todos os detalhes de algo que estava guardado no mais profundo lugar de nosso imenso guarda-roupa cerebral.
Era intervalo e estava na fila da cantina e uma coleguinha minha, morena também, com uma pele linda de herança indígena, olhou pra mim e disse: “você não tem vergonha dessa sua cor encardida?” Eita que isso foi uma bigorna gigante caindo sobre mim. Não lembro de uma reação sentimental, lembro de uma reação prática: peguei meu braço e colei no braço dela e falei: “uai, mas são quase da mesma cor”. Ela deu de ombros dizendo que eu tava doida. E eu continuei insistindo, “ei, a nossa cor é parecida!” O que me incomodava naquele momento, hoje eu consigo perceber, não era o fato dela me chamar de encardida, era o fato dela não se enxergar também como tal.
O preconceito é assim. A gente enxerga no outro, aponta no outro, aquilo que a gente odeia na gente. E quer ver o outro sofrer da mesma forma que sofre. A menina ter me chamado de encardida me deixou triste porque realmente eu não tinha uma cor bonita, eu não era dourada, eu não era bronzeada o tanto que EU queria. É engraçado, que olhando para esse passado, eu vejo que eu me forjei buscando a diferença, diferença que era apontada como algo negativo. Pelo menos consegui transformar algo que destrói uma pessoa em algo positivo.
Todo mundo sente falta da época da escola. Incrível como eu não sinto nenhuma. Não sinto nenhuma porque as pessoas que eu, na época, julgava como amigos eram aquelas que mais me afundavam, que mais me denegriam. Claro que não generalizo, tenho amigos de infância e adolescência que são eternos, apesar de alguns terem orgulho demais para atravessar a ponte... mas isso não vem ao caso agora.
O que vem ao caso é que admiro demais a moça linda que escreveu esse artigo e fez aflorar em mim várias lembranças que eu já havia esquecido. Há casos piores que o meu, com certeza. Todos os dias cometemos o racismo nosso de cada dia. Do machismo impregnado em nossos comentários à homofobia em nossos jogos de futebol...

Quando vamos parar de magoar o outro pra sanar nossas falhas pessoais? Porque o que odiamos é aquilo que mais está dentro de nós.


Kellen C. Silva, mestra em História pela Universidade Federal de São João Del Rei & Kellen C. Silva, sonhando em ser paquita. Não realizou porque as paquitas da Xuxa eram padronizadas no loiro médio e platinado.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

#agosto

Sinto-me comida pelo vento de agosto. Mesmo vento que senti há anos atrás quando você se despediu de mim e disse que nós não poderíamos ser um par. O mesmo vento frio que cuspiu na minha cara, me abraçou e consolou, enquanto ria das lágrimas que caiam lentamente do meu rosto. Eu havia feito um poema para você. Um poema que falava de amor, do amor que estava disposta a doar e você só teria que abrir os braços e receber, receber, receber... e você fechou a porta e trancou a janela. Seus olhos castanhos, que eu queria tanto seguir, se tornaram olhos de distância, de medo, de pena. Sinto agora mesmo a dor que aquele vento, o mesmo que me toca agora, me causou. A turbulência, o soluço, a água quente do chuveiro caindo sobre meu corpo humilhado... Tudo isso era real e eu não via um caminho para redenção, só o vento de agosto me tomava pela mão e cortava e recortava minha face, minhas mãos, minha alma.
Hoje sinto esse vento de agosto, tão cortante e mordaz, que trás de volta a página virada para ser relida e sentida. Hoje você me ama, me quer como par. Tento não pensar nas batalhas perdidas, na estratégia de guerra, nas noites de prazer seguidas de agonia e insônia. Mas agosto me trás o gosto que quero esquecer, me trás as palavras malditas que você jogou ao vento... Jogou ao vento palavras inteiras, frases inteiras, sentimentos inteiros.
E eu tentei buscá-las para mim. Juntei uma a uma e formulei minhas verdades: você não me queria porque tinha medo de ser feliz, de amar e ser amado da forma como nunca foi. Criei verdades enquanto chorava lágrimas de agosto.
Hoje você me ama, hoje você diz que me ama, mas demorou muito para chegar a esse veredicto. E enquanto eu contava meus sentimentos, você apenas ouvia calado. E novamente eu sentia o vento de agosto me cortando a alma, dilacerando cada pedaço do meu corpo quente de mulher. Sinto-me comida pelo vento de agosto. Sentirei-me assim por todos os dias da minha vida, enquanto houver agostos existirá em meu peito essa cicatriz dura e profunda que você me causou com suas ausências. Hoje você me ama, diz que me ama, e me faz muito bem! Hoje me senti comida pelo vento de agosto e meu coração se sobressaltou de agonia, de medo, de solidão. Você que tanto me negou e que me ama, hoje está longe de mim e dentro de mim, mora em mim com uma força que nenhum homem antes de você me fez sentir. E eu tenho medo. Medo do vento de agosto me trazer lágrimas que não poderei suportar, porque você pode até querer ir embora de mim, mas não pode querer ir embora do mundo nosso de cada dia, do cotidiano, da sua própria vida. Não pode me deixar para trás, logo agora que tanto diz que me ama.
Agosto, seu mês bobo, passe logo, passe longe, vade retro.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Camuflagem

Saturada de saudade,
me encontro jogada sobre a cama dura de pedra maciça e eterna.
Saturada de sonhos,
me jogo da última janela do andar de cima da árvore amarela.
Assim triste, assim bamba,
caminho o caminho da dor,
refaço velhos ditados em trocadilhos
e já não sinto mais a alegria antiga.
A Terra do Nunca morreu.
Se não fosse todos os meus acertos,
erros, memórias, tristezas e glórias,
estaria sentada no mesmo banco a olhar a lagoa verde
cheia de capivaras e mariposas tristes.

Sim, estou saturada de tanto sal no meu rosto,
de tanta ausência em meu olhar.
Aquela alegria inerente saltou, caiu, machucou,
meus olhos já não são olhos inteiros e minha alma já não sabe onde vai parar.
Queria um amor eterno, amigos eternos, sonhos eternos,
mas a realidade me fuzilou na parede de Hayez...
Sou o que sou no quadro da parede...

Ando triste, ando cabisbaixa e sem esperança.
Ando chorosa e saturada de todos os sonhos do mundo.
A minha dor é dor de amor, de saudade, de agonia!
Tenho medo do futuro e não quero mais o passado...
O presente não é presente, é um fardo!
E mesmo sem esperança ouço aquela voz lá longe a me chamar,
dizendo que a calma existe para colocar tudo em seu lugar!
A voz castanha que tem o universo inteiro é a mesma
daquele moço que tem poder sobre mim,
poder de acalmar minha alma e trazer consigo a alegria de sonhar!

Novamente abro os olhos para a dura realidade,
se eu não sonhar e me erguer,
terei perdido o presente divino do agora,
meu passado será inútil e meu futuro, uma lápide!
Eis que acordo mais malemolente para a vida,
vida linda, vida feia, simplesmente vida.


Gustave Doré - Descidas no inferno de Dante na obra Divina Comédia

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