Breve histórico...

Minha foto
"O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove." Fernando Sabino

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Benquerer

Há versos, amor, que não consigo te escrever,
Há uma música no ar...
Uma tormenta de trovoadas entoando cantigas
E não consigo te ver, amor.
Não consigo te ter comigo.
Como se soubesse bem lá no fundo,
Que nossas almas se conhecem há tempos,
Que nossos corpos se entrelaçam em harmonia,
Mas tua razão, amor, afasta você de mim.
Há versos esquecidos aqui dentro,
Há folhas rasgadas pelo chão.
Gostaria de lhe dar um último abraço,
Aperta-lhe docemente as mãos,
Mas não há tempo para romantismo,
Nem mesmo sentimentalidades assim,
Não há mais versos, amor,
As trovoadas são o prelúdio do fim,
Apesar de ainda ter em mim
Uma sementinha de todo o benquerer do mundo...

The Happy Lovers (c. 1770) by Jean-Honore Fragonard

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Carta

Queria escrever uma carta, escrever mesmo, tirar as cores das minhas canetas favoritas e rabiscar o papel branco com palavrinhas sentimentais. Idiotices sairiam, com certeza. Mas com certeza estaria gravado ali meus melhores sentimentos – ou talvez piores. Mas sentada aqui eu fico pensando se o meu amigo, a quem queria mandar a carta, gosta de receber cartas. Na verdade fico pensando em como entregaria uma carta assim para esse amigo. Inútil pensar.
Ando muito medrosa e estressada ultimamente. Ando mais ansiosa do que realmente deveria e jogo a culpa na minha incapacidade de ainda estar onde estou. Queria o mundo inteirinho pra mim, mas da forma como as coisas caminham é o mundo que logo vai querer se desfazer de mim, justamente por causa da minha inutilidade.
E com isso ainda na cabeça, ainda fico me perguntando se meu amigo ia gostar de receber noticias minhas via carta, e não via e-mail, sms ou mensagem inbox via Facebook e Orkut. Queria mesmo colorir o papel com minhas canetas favoritas... Sim, meu amigo pode se sentir privilegiado por ser um dos poucos a receber letra minha bordada com canetas colecionáveis...
Mas tenho medo. Na verdade ando muito medrosa e ansiosa. O medo vem de um lugarzinho estranho dentro do peito. Um medo de ficar sozinha no escuro e não conseguir pensar em nenhuma palavra boa, de não conseguir lembrar nenhum carinho que valesse a pena esperar. E a ansiedade me mata porque quero ir embora, mudar os caminhos, mas ao mesmo tempo estou presa nesse medo vazio. Por isso não sei escrever mais cartinhas. Misturaria mil coisas nas linhas coloridas que seria impossível me fazer compreender.
Toda vez que me pego pensando em escrever só me lembro de coisas que me desanimam completamente de pegar o papel, de escolher as canetas, de pensar em algo doce e sincero que transcreva meu sentimento real. Não sei também que sentimento real é esse. Por isso também tenho medo de escrever. Por isso também morro a cada instante. Não consigo mais seguir sem um plano. Sem um plano A, um plano B ou, ao menos, duas soluções que se encaixem bem na minha vida.
Ontem percebi que não sou mais quem eu era. Eu era uma pessoa mais doce, menos fria, mais romântica, menos pessimista. Olha o que essa vida tem feito de mim! Lentamente vou perdendo velhos sonhos e desejos... Vou deixando de lado planos e mais planos. Não consigo mais ver o mundo como via antigamente. Parece que alguma coisa bonita dentro de mim se rompeu e eu não consigo mais colar, remendar ou tampar. E isso não me deixa mais escrever como escrevia antigamente, no papel branco com canetas coloridas…
Na verdade acho que minhas canetas são um pedacinho de um mundo que eu perdi e que não vou mais ter, porque passou. Acho que nunca fui tão feliz como eu era quando comprava minhas canetinhas coloridas, com cheirinho de várias coisas que eu amava. Eu não tinha problemas, eu não tinha esse coração pesado, eu não tinha cobranças infindáveis. Só tinha a felicidade de um papel e as inúmeras canetas...
Meu pessimismo não me deixa escrever com as minhas canetas colecionáveis. Meu amigo até merece uma carta, mas não merece o conteúdo, não merece os sentimentos confusos que posso colocar ali. Acho que meu amigo não merece também essas preocupações. Acho mesmo que nem deveríamos ser amigos... Acho  mesmo que deveríamos seguir sem contato, sem abraços, sem encontros, sem laços...
Acho que deixei esquecido em algum lugar minha melhor parte... e agora encontrá-la será difícil, quase impossível, porque esse meu amigo não é minha melhor parte. Porque se fosse, não estaríamos assim, tão distantes e sem cartas bonitas para trocar.

Pierre Auguste Renoir-La carta-1895-1900
Mas confesso, minha amiga querida, que aquele amigo meu, que nada queres de mim, poderia sim, ser minha melhor parte, onde eu poderia buscar uma linha e uma agulha para coser novamente o fio do destino. Confesso que ainda tenho em mim um restinho de esperança. Pequena, mas forte o suficiente para me matar a cada novo dia, a cada nova noite... Confesso que ainda tenho sentimentalidades assim.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Borboletas estúpidas!

Acordei com uma súbita dor,
E ao sentar-me na cama deparei com
Toda minha alma desmanchada no chão...
Aproximei-me da chama reluzente
E percebi que havia queimado minhas coloridas asas!

Borboletas estúpidas!

Como sou estúpida ao ponto de me aproximar
De um perigo iminente!
Mas a chama era linda, quente, atraente!

Borboletas não deveriam ser tão burras!

Entre a salvaguarda da minha alma
E o desejo pelo belo,
Aproximei-me do perigo
E minhas asas arderam como no inferno!

Borboleta idiota de nome burlesco!

Burlesca é minha ação,
Deixar-se conduzir por algo tão perigoso,
Por algo tão ardiloso...
Como a detestável paixão!

Agora sofro com a ausência das minhas asas queimadas
Pela ausência da beleza ardente das chamas reluzentes.
Agora sofro, pois estou imobilizada, com a alma desmanchada!

Borboletas são tão estúpidas como minha alma…

E eu achava que elas sobreviveriam por mais tempo…
Ah, mas é esse risco de morte iminente da paixão
Que faz esse regaço com minha alma,
Que transforma meus sonhos em tormento!

Há que se aprender a sobreviver nesse mundo novo
Como o homem de lata,
Mas sem desejar ter dentro de si aquele músculo
Que desmanchou minha alma.

Borboletas idiotas!
Porque não morreram todas?
Porque só perderam as malditas asas?

            - Para voltar a te aporrinhar,
 Pelo simples fato de você não saber esperar!
            Pelo simples motivo de lhe ver sorrir como uma criança
            Quando a chama voltar a se acender e, como num passe de mágica,
Fazer renascer nossas malditas asas!

Maldição!
O que faço para acabar de matar essas infames borboletas
Que se agitam dentro de mim?!
Não agüento ter minha alma rechaçada
E meu coração novamente ao chão...

"Tartini's Dream" by Louis-Léopold Boilly (1761-1845).

Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela, 
Dando vai voltas mil, até que nela 
Se queima agora, agore se consume,

Tal eu correndo vou ao vivo lume 
Desses olhos gentis, Aónia bela; 
E abraso-me por mais que com cautela 
Livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista, 
O quanto se levanta o pensamento, 
O como vou morrendo claramente;

Porém, não quer Amor que lhe resista, 
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glória maior, está contente
Luís Vaz de Camões

Seguidores