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"O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove." Fernando Sabino

terça-feira, 31 de março de 2015

Minha paixão por Francesco e seus beijos.

Milhões de beijos são dados todos os dias. Cada esquina guarda um hálito novo, um gosto diferente, de desejo ou de distração.

Foi por um beijo que me apaixonei.

Me apaixonei por Francesco em uma aula de História da Arte. Logo que coloquei meus olhos sobre a beleza que exalava pelas delicadas cores que trazia, meu coração deu um salto. Sabia que era ele a paixão que carregaria pelos beijos encantadoramente únicos e pelas histórias românticas, pelo resto dos meus dias.
A esperança vã me atracou: um dia, teria o beijo. Um dia, estaria lado a lado a Francesco, onde meus olhos repousariam em paz em sua paleta sóbria e misteriosa.

Anos se passariam até eu ter Francesco. Anos se passariam até eu ir a Francesco. Anos se passariam até Francesco olhar para mim. 

Metamorfoseei Francesco nos meus sonhos românticos. Aquele beijo, aquelas cores, aquela delicadeza do encontro de  almas... Tudo ganhou uma história completamente distinta da original, e que me moveu durante todos os anos, até chegar à Milão.

Era o beijo mais famoso da História da Arte, disse minha querida orientadora quando nos apresentou. Dali por diante não ouvi muita coisa, apenas deixei minha imaginação histórica fruir e criar para mim, uma história de amor. 

Dos beijos que existem, apenas Klimt chega aos pés de Hayez. E dos beijos de Francesco Hayez, o que mais me deixa angustiada é a despedida entre Romeu e Julieta. Triste prenúncio da tragédia. Triste casal apaixonado, vítima dos mal-entendidos da vida. Quando vejo o último beijo de Romeu e Julieta, uma tristeza me invade. Uma tristeza contemporânea dos amores que passam por nós, e nós deixamos morrer, partir, sem nada fazer, perguntar, lutar. O beijo de despedida tem uma Julieta entregue aos braços do Romeu apressado. Romeu que insiste em ficar, sabendo que precisa partir. Angústias cotidianas. Angústias românticas... Ele, a razão, ela, a puríssima emoção, a que se entrega sem pensar naquela que observa das sombras e lança seu temível olhar. Olhar de alcova invejosa, que se pauta no discurso falido da religião para moldar a tudo e a todos.

Francesco Hayez, 1823, O último beijo de Romeu e Julieta. Villa Carlotta, Province of Como, Italy
Tão contemporânea essa angústia! Tantos Romeus, tantas Julietas se escondem para se amar! Quantos Romeus e Julietas precisamos separar ainda com nosso discurso moralista de família e religião? Quantos beijos de despedida nós ainda vamos espreitar com ódio, com raiva, com desdém? Há Julietas e Romeus, há Romeus e Romeus e Julietas e Julietas! Nós somos a alcoviteira que se esconde e olha com o olhar maligno o amor, o amor alheio que não temos nada a ver. Que não precisamos nos meter e NÃO DEVEMOS NOS METER!

Família, bons costumes, religião. E onde fica o amor? A felicidade, a alegria, a gratidão, a fé? Tudo se perde, é diluído quando tentamos controlar. Por isso me apaixonei por Francesco quando ele me mostrou seu beijo emaranhado de desejo, de encontro de almas, sem preocupação, sem razão e emoção discutindo qual passo dar, apenas os dois enlaçados em um momento de contemplação do amor, do desejo, do beijo. Não há mais ninguém na cena, apenas o beijo, o beijo que une, que destroça e constrói relações. Porque não sermos assim?

Francesco Hayez, 1859, O beijo. Pinacoteca di Brera, Milano.

Porque não nos entregamos completamente aos nossos desejos e paixões? Porque julgamos aqueles que fazem isso? Porque controlamos o amor alheio, usando algemas do tipo "família não é isso" ou "minha religião não permite"? Porque somos egoístas? Todos nós podemos nos apaixonar por Francesco e seu beijo. Todos nós podemos criar uma história bonita para o casal apaixonado. Todos nós temos o direito de viver nossos amores, nossas paixões, nossas próprias vidas!

A vida é muito curta. A vida é imensamente bela para ser cotejada com discursos de ódio. Não percebi isso quando olhei nos olhos de Francesco, vim perceber isso bem depois. Bem depois quando me deparei com Julieta e Romeu. Beijos, beijos, beijos... Tão unificadores de almas e tão propagadores de ódio gratuito. 

Vão me dizer que as mais belas histórias são essas trágicas, mas não são. As mais belas histórias são aquelas que não terminam de forma mortal. Que não dá lugar para a morte romper com laços de amor. Quantos casais precisam passar pelo sofrimento da perda, pelo sofrimento da humilhação e do ódio, para se concretizar? Não é bonito, não é romântico meter o bedelho na vida alheia. O amor é livre, toda forma de amor é livre, todo amor é lindo.

Meu amor por Francesco apenas aumentou. O beijo que ele me deu é eterno: a inquietude, a indignação, a luta por amores plenos. Só percebi isso depois, muito tempo depois daquele encontro no verão italiano. Que Deus guarde meu retorno à Brera. Pois amores eternos como esse merecem sempre e sempre, reencontros.


E que fique claro que família não é aquela que VOCÊ acha que tem que ser. Que fique claro que religião não é aquela que VOCÊ acha que tem que ser. Cada um é um ser de luz, de amor. Só merece o SEU RESPEITO e nada mais. Nada ALÉM DISSO.

Eu e Francesco, em uma tarde quente do versão milanês. Voltarei, Francesco, voltarei.
Kellen Silva

P.s. Isso não é uma leitura iconológica. Peço licença para a licença poética.


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